terça-feira, 22 de outubro de 2013

O Kung Fu na contemporaneidade

Kung Fu, o trabalho árduo que tantos optam por aprender e praticar hoje como esporte e lazer, tem sua origem num passado longínquo, no qual possuía uma função prática muito bem definida: a guerra. Não cabe aqui entrar no mérito da história do Kung Fu em si, mas pontuar e refletir brevemente sobre como essa arte chegou ao nosso tempo.

A sociedade contemporânea é profundamente diferente daquela onde surgiu o Kung Fu. Hoje vivemos num ambiente de ‘tempo acelerado’, um cotidiano dinâmico que comumente pede agilidade. Ora, se acabamos sendo impulsionados a fazer cada vez mais num mesmo espaço de tempo, é possível dizer que o tempo é um dos ‘bens’ mais valiosos que possuímos.

O Kung Fu é uma arte marcial e, particularmente, considero que arte alguma pode ser desenvolvida com pressa. O Kung Fu, desde sua origem, mostra isso: ele era praticado a exaustão, pois um domínio melhor ou pior da técnica, não raro, determinaria a vida ou a morte de quem o praticava.

Hoje não temos tempo para um treino tão dedicado. O que antes era importante como sobrevivência, hoje se tornou lazer para a maioria daqueles que o praticam. É algo que as pessoas buscam (muitos não só, mas também) por prazer. Prazer de aprender, de treinar, de se exercitar etc. A função do Kung Fu mudou, mas sua natureza, não.

O Kung Fu não possui mais função marcial, mas não se pode nem se consegue tirar essa característica de sua natureza. Ele surgiu para o combate e possui uma filosofia fascinante de fortalecimento mental e espiritual do indivíduo, que pode ser vista como a formação completa do bom guerreiro.

Destaco a palavra completa, pois é este ponto sobre o qual quero refletir um pouco mais. Uma infeliz característica da contemporaneidade é a fragmentação das áreas de atuação das pessoas. Por exemplo, o trabalho. Podemos dizer em linhas gerais que ele está fragmentado. O operário/empregado hoje não conhece mais o todo do trabalho no qual está inserido. Ele não consegue, sozinho, fazer o produto inteiro, como o antigo artesão era capaz. Outro exemplo é a medicina, onde os médicos estão cada vez mais especializados, mas parecem esquecer que seus pacientes não são apenas as partes que estudaram.

Numa sociedade fragmentada onde o tempo é precioso, o Kung Fu às vezes pode parecer destoar, pois mesmo sendo um lazer, demanda dedicação. E acaba passando pelo mesmo processo de fragmentação que aflige tantas outras áreas do cotidiano contemporâneo. Hoje os treinos trabalham, no geral, cada um com uma parte do Kung Fu. No treino do estilo desenvolvemos fundamentalmente as formas, enquanto as lutas foram direcionadas, grosso modo, para o Sanda. Não desaprovo a separação, entendo que hoje isso acaba sendo ‘necessário’. Tornando-se um esporte, o Kung Fu precisou se adaptar a sua nova demanda. Nem todos são muito dispostos a lutar, enquanto outros não possuem muito interesse na prática das formas. Entretanto, considero importante exercitar ambos os aspectos de forma combinada, mesmo que ocasionalmente, pois ambos fazem parte do Kung Fu “completo” (entre aspas, pois para ser efetivamente completo, ainda faltam outros aspectos).

Longe de pretender ‘resolver’ a questão da prática do Kung Fu hoje e encerrar o debate, acredito que a reflexão sobre o que a arte marcial representa para cada um que a treina é fundamental. Ser um lazer não significa que não será praticada com rigor. Como o tempo é escasso, a proposta é aproveitá-lo bem, fazendo valer a pena os momentos de treino. E o resultado do trabalho árduo é gratificante.


Texto escrito a pedido do meu mestre, o Sifu Adriano Barros, para a revista da AMKF. Acessem :)