sábado, 16 de julho de 2011

O Mágico [série Duartão]

por Marcelo Freitas

E as luzes repousam muito brevemente sobre uma figura apática e bizarra. Sobre ele mesmo, o Duartão. Mas tem que ser breve. Tem que ser assim, infelizmente. Infelizmente, mais uma vez, porque é essa a forma que as coisas tomaram no mundo pós-moderno; pós-catástrofe; pós tudo, no qual muito pouco restou.

O que o Dr Dráuzio Varella falaria do Duartão? Talvez ele se recusasse a falar de um gordo beberrão. Com certeza iria condená-lo por seus tantos atentados pecaminosos contra seu próprio bem estar, como a gula, a vida sedentária, a preguiça. Ele iria tentar mudar os rumos daquela vida que perambulava num sentido absolutamente sem sentido. Talvez viesse a fazer sugestões para uma vida mais saudável, receitaria remédios, exercícios e o imprescindível corte do álcool.

E o Eike Batista, figura presente e ascendente nas listas da Forbes, o que falaria? Mais condenações cavalares viriam, com certeza. “Onde está o seu futuro e o de sua família?” e “Cadê a sua pequena montanha de dinheiro?”. Espírito empreendedor, ganância e audácia não deviam mesmo tomar conta da alma do Duartão, diferentemente do caso do Eike. Paciência.

E aquele pastorzinho daquela mais nova igreja que pululou naquela esquina que até ontem estava cheia de prostitutas? Mais e mais porradas. Iria colocar a pessoa que hoje está no foco das luzes no submundo das almas perdidas, algum lugar das profundezas do inferno cuja administração foi terceirizada pelo DEMo. Não foi bom pai, nem bom marido, nem bom filho, nem bom porra nenhuma. “Por que diabos não teve aquela familhazinha da propaganda de margarina?”

Acho que a lista de pessoas que poderiam apontar o dedo na cara do Duartão e dizer poucas e boas, suspirando um ódio em porquê seria grande. Pequena seria a lista que faria o contrário. Que daria uns tapinhas nos ombros dele e dissesse “é isso, aí” ou até convidá-lo pra beber cerveja e despejar algumas risadas em algum botequim, se é que ele não teria essa idéia antes.

Nós sabemos que ele matava aula, era protegido pelo avô, bebia demais, comia demais, arrumava um jeito de ir comprar coxinha quando tava internado, pedia dinheiro, não ficou rico, foi gráfico, fez a Ana. Enfim, esse colecionou tudo aquilo que muita gente consideraria grandessíssimos desacertos na vida.

Um cara que... não deu certo. Como se alguém tivesse que dar certo, como se fosse obrigatório, como se fosse possível. O Brecht, que também não deu certo, escreveu aquele poema para uma criança próxima no qual desejou tudo, menos uma coisa. O sucesso. É aí que começamos a compreender de verdade o Duartão.

Porque ele não fez o contrário? Porque ele bebia? Porque matou aulas? Porque era gordo? Porque não criou a família margarina? Porque pediu o dinheiro das coxinhas? Porque ele viveu pouco? Porque ele nasceu? Porque ele não deu certo? Porque não ganhou uma fortuna?

São muitas interrogações, que trazem signos culturais que estão por aí. Flutuando como fluxos em feixes de poder que recaem sobre as vidas e as dominam, matando possibilidades de uma vida qualquer, limitando, normalizando. Dando forma às vidas, que poderiam mesmo ser disformes, que poderiam ser qualquer coisa. O grande segredo que torna a vida na modernidade menos horrorosa é a capacidade de interrogar todas essas interrogações, apesar disso parecer loucura. Por que não se pode ser o Duartão? Será que ele é mesmo tão ruim assim?

O Duartão não era uma árvore ereta. Era uma daquelas grandes, gordas, tortas, disformes e cheias de raízes sobre a terra. E qual o problema em ser assim? Pra mim, o Duartão era um mágico. Uma daquelas figuras românticas que se apresentam em teatros, restaurantes, cabarés, botequins sujos, na rua e em qualquer lugar. Um cara que vai até o seu público e, se enxotado por vaias, guarda sua cartola, os lenços, o coelho e vai embora, simplesmente. Um ser que fala pouco; adora botecos lúgubres e cheios de gente estranha, assim como ele; não gosta lá de muita gente no seu pé; Daquelas pessoas quem curtem tanto os destilados e fermentados que se pudessem escolher já acordariam bêbadas, mas como isso não é possível, topavam acordar sóbrio e se embebedar depois; adora torresmo e salgados gordurosos. É daquelas pessoas que falam mais sim do que não ao longo da vida; não encrencam muito; dão muitas risadas; ficam absolutamente bêbadas milhares de vezes; encanam pouco; não atrapalham quem não poderiam atrapalhar; fez lagrimas rolar, mas fez muita gente rir também. É um mágico, não? O mágico também faz rir, impressiona com sua sutileza, encanta com leves toques, ludibria com poucos movimentos, revela um segredo guardado à sete chaves como quem dá bom dia. Quem nunca ficou encantado com um show de mágica? Aqueles mágicos, os antigos, fizeram muita gente feliz, mesmo que por alguns minutos. Teriam feito muito mais, se as almas mais dispersas e insensíveis tivessem colocado, naquele show desimportante, um mínimo de atenção.

Pronto, estamos diante de um mágico de verdade, daqueles que não se limitam a entreter idiotas que passeiam em shopping centers ou ricos que esperam sua vez na fila de um restaurante caro. Estou falando do mágico que nem tem público certo. Ter ele até tem, mas é muito pequeno. Eu prefiro o mágico itinerante, que vai de boteco em boteco trocando suas apresentações por bebidas, farra e um lugar absolutamente indecente pra passar a noite. Aquele artista cujo número vem sempre de improviso e que, na maioria das vezes dá errado; aquele que dedica a coisa mais trivial, contingente e desimportante que ele tem - sua vida - a alegrar e fazer feliz – mesmo que por minutos – outras vidas desimportantes, contingentes e triviais. Vidas como a minha e a sua, e é por isso que a gente consegue entender a poesia que ele declama. Aproveitemos o momento pra lembrar que a felicidade só existe, quase que por definição, quando tem efemeridade e total ausência de importância; quando toca a alma, unindo pessoas em marcas que parecem tatuagens na memória.

O público do Duartão foi pequeno, mas foi feliz. Mais feliz ainda foi aquela pequena parte que soube entender a tal da poesia, ver as pérolas onde todo o restante do mundo não conseguiria ver nada além de um pedaço de chão de chiqueiro sujo. Que bom que na vida sempre existirão aquelas pessoas que olham além das aparências, das cascas das coisas. Ainda bem que existem aquelas figuras historiógrafas que se apegam as reminiscências e que, em nome daquela parte mais sublime que existe na memória, saem por aí contando as anedotas e histórias do nosso grande Loser, anti-heroi e mágico. Reminiscências que impedem que essa figura tão avessa aos dogmas da normalidade, promulgada por sabe-se lá quem, caia no esquecimento. Podem achar que ele perdeu na vida, pode-se achar qualquer coisa. Mas pode ter acontecido coisa qualquer, menos uma derrota, porque ele agradou o público. Não o grande público, pois esse só os idiotas da objetividade agradam. Ele agradou aquele público irrisório, o único com o qual ele se preocupou de verdade em agradar. Ele sabe disso, só não sabe que ele foi além, pois continua agradando um público que ele nem mesmo conheceu. Bom, talvez ele saiba, vai saber?

O que realmente importa não importa em nada, como já disse. O legal mesmo é que a gente sabe que ele matou a aula, causou uma briga, entrou no boteco, bebeu todas, brigou com a mulher, casou com a mesma, bateu no policial, bebeu o estoque de bebidas, passou mal, pediu o dinheiro, arrancou a pulseira, comeu a coxinha, guardou a cartola, levou o coelho, virou personagem e faz, até hoje, os natais serem uma bosta.

O importante mesmo é o que a gente já sabe... é que mágicos não existem. E é só por isso que ele merece as luzes nesse instante. Mas já se apagaram, todas elas.



Esse é o texto mais lindo já escrito sobre o meu pai, e como puderam ver, não fui eu que o escrevi. O autor me autorizou a postá-lo aqui. Choro toda vez que leio. Marcelo, querido, agradeço de todo o coração pelo presente de aniversário fodástico. Um presente tão foda que virou o presente de aniversário do Duartão, também. E quanto a vocês prezados leitores, aproveitem. Eu não costumo escrever coisas tão bonitas assim! Nas próximas postagens retornaremos ao costumeiro mau humor! =P

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Depois não digam que eu não avisei

Olha, pode fazer o que você quiser comigo e me falar o que bem entender. Me xinga na cara, fala mal pelas costas, me bate, me zoa, fala que Kung Fu é viadagem e que Tai Chi Chuan é fácil, mas NUNCA me incomode quando estou ouvindo música pra valer. Sabe quando você quer prestar atenção na melodia e na letra, não tá só ouvindo por ouvir? Então. Me incomodar nessa hora faz uma ira bestial brotar em mim, e conter a vontade de arrancar cabeças usando apenas as minhas mãos é muito difícil. Principalmente em casos de reincidência.

Pensando bem, não faça nada do que eu falei aqui. Mas MUITO MENOS me incomode quando eu estou ouvindo música, sim?